sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Batendo palma pra louco dançar

Tive de bater a poeira do blog para responder um diálogo entre o Bruno e o Humberto sobre Star Wars. Vou chover no molhado aqui, mas só pra colocar algumas idéias na discussão:

De um ponto de vista puramente pragmático, a época em que cada uma das trilogias foi feita diz muito sobre suas características e também sobre como seus fãs viram a série. A velha trilogia nasceu no final da década de 70 da cabeça de um nerd que precisou assumir o risco do orçamento pra conseguir que a Fox aprovasse a produção. Com mais conhecimento técnico sobre efeitos especiais que noções de direção de atores, George Lucas se meteu nessa empreitada e acertou a mão, transformando o risco que correu em trocar seu salário por lucro em um grande negócio. Conquistou fãs pois mexia com a cabeça de uma geração que via a alvorada da computação pessoal e o avanço da exploração espacial. A NASA estava em alta, a série Cosmos foi um sucesso e a Guerra Fria trazia pra bem perto a idéia de um Império ameaçando as liberdade individuais. Chegou a fama, chegou o dinheiro... e George passou o posto de diretor para Irvin Kershner, que tinha já alguns anos de experiência na direção (e todo mundo viu o bem que isso fez). Terceiro filme, mesma história: Richard Marquand assume o posto de diretor e Lucas cuida dos efeitos e do marketing, já nesta altura a saga já havia se tornado febre.

Vinte e dois anos depois e Lucas continuava com "Uma Nova Esperança" como último trabalho na direção. Seu amigo Spielberg trabalhou como produtor e diretor todos aqueles anos, e George Lucas achou que podia dirigir também. E aqui as coisas começam a descambar. Por Spielberg sempre ter sido um campeão de entretenimento tipo cinemão, vendendo para o público americano (e mundial) as novas caras bonitas de Hollywood e um bando de produtos para merchandising, Lucas achou que cinemão era só isso. Mas Spielberg sempre soube o que o povo queria. Como discutir com o cara que fez Indiana Jones, ET, A Lista de Schindler e Soldado Ryan? Tenho medo do dia em que Spielberg faça um filme com pessoas pulando e batendo palma e isso se torne a nova mania nacional. Voltando ao SW, George Lucas assumiu a direção de sua nova trilogia tentando reproduzir os elementos que faziam dos filmes de Spielberg um sucesso. Pensou que seu novo foco de público era uma geração crescendo com videogames e fez de sua trama uma ação igualmente rápida e que mantém o interesse igual a um clipe da MTV. Trocou a ameaça única e centralizada de um Império por um punhado de facções, espelho do caos político e nada polarizado dos anos 90. Criou escapes cômicos e bonitinhos para levar as meninas também aos cinemas. Explicou a Força para uma nova geração de cinéfilos sedenta por tramas que explicam tudo (essa é a geração que institucionalizou os reality shows). Enfim, vendeu a alma de sua saga em troca do celular do ano. Fez sucesso? Claro que sim.

Não dá pra dizer que a nova saga seja ruim. Muito pelo contrário, ela foi construída para agradar. E enquanto se assiste puramente como entretenimento à "nova trilogia" é fácil se divertir. Mas a piscina ficou rasa. E os antigos fãs que correram para pular de cabeça descobriram (tarde demais) que seu antigo amigo nerd que fazia filmes havia mudado. Com a cabeça rachada essa turma foi a primeira a gritar de indignação e alguns nerds com mais iniciativa (e criatividade) tomaram em suas mãos a tarefa de trazer de volta para o cinemão a ficção divertida e com alma. Não seria estranho associar o período com o início das produções de "Homem-Aranha" e da trilogia de "O Senhor dos Anéis", ambos dirigidos por nerds que nunca haviam superado a fama de diretores trash. Em muitos aspectos Peter Jackson refez os passos de George Lucas nos anos 70, assumindo riscos imensos no orçamento de "O Senhor dos Anéis" e fundando sua própria empresa de efeitos especiais (a WETA Digital) para ter certeza que sua visão seria respeitada no longa. Antes que alguém venha me jogar datas, a pré-produção da trilogia de Jackson se iniciou em junho/julho de 1999, enquanto "A Ameaça Fantasma" saiu nos cinemas em maio. Mesmo que as negociações sejam anteriores, já que os direitos da produção já pulavam de mão em mão a algum tempo, é possível que o mal resultado do novo filme de Lucas tenha influenciado a maneira que Jackson desenvolveu seu projeto.

Existem dois outros exemplos que são dignos de nota. A infame remasterização da velha trilogia tenta, entre outras coisas, adaptar a saga a um mercado que via (e ainda vê) "politicamente correto" como adjetivo necessário. E o novo desdobramento da saga, as tais Guerras Clônicas que serão exibidas pelo Cartoon, dá o passo seguinte para atingir ainda mais uma geração de consumidores, com adolescente folgados e espertinhos. Talvez para essa nova era Obi-Wan tenha uma página no MySpace.